O Homem, a máquina e o produto
- Flávio de Santana
- 16 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 26 de jun.
Nos últimos meses, um dos assuntos mais comentados do mundo digital é o papel que as I.As têm exercido no dia a dia dos seres humanos. Seja auxiliando nas listas de compra de casa, na compra de passagens, como assistente pessoal no smartphone de cada um ou até dirigindo o carro por aplicativo que você utiliza para ir ao trabalho. Como toda nova tecnologia, ela passa por transformações constantes a fim de melhorar o seu funcionamento, bem como também sofre críticas por parte daqueles que acreditam que a “inteligência artificial” chegou para tomar o lugar das pessoas em seus trabalhos, e é entrando neste tópico que desenvolveremos nosso texto de hoje.
Recentemente, declarações do produtor musical norte-americano Timbaland causaram alvoroço no mercado da música. O mesmo declarou que está produzindo a “próxima evolução cultural” com o chamado “A-Pop”, música pop criada integralmente com o uso de I.A, desde as músicas até os cantores que as apresentarão, reforçando o debate sobre os rumos que a utilização desse tipo de ferramenta têm tomado. Será que dessa vez empregos serão perdidos?
Enquanto para produzir uma faixa musical, ou até mesmo um álbum, são necessários muitos profissionais para entregar um produto coeso – ainda que com propósito comercial – a utilização de ferramentas como AIVA, Amper Music, Soundraw, Boomy, Suno AI, entre outras , eleva os debates acerca da autoria e dos direitos atrelados a “arte” que virá a ser produzida, uma vez que essas ferramentas não têm capacidade de criar de maneira consciente ou criativa, tal qual os humanos, mas sim utilizando bancos de dados e padrões no consumo musical para determinar os valores estilísticos do produto a ser entregue (probabilidades harmônicas, melódicas e rítmicas extraídas de enormes bancos de dados internet afora).
Em seu artigo 'O papel dos algoritmos de inteligência artificial nas redes sociais', as professoras Lucia Santaella e Dora Kaufman abordam um pouco do processo de funcionamento dessas ferramentas, destacando pontos como a personalização dos conteúdos, a atuação preditiva de seus algoritmos baseada em padrões e as limitações cognitivas das I.As atuais (narrow A.I).
Se naturalmente somos apresentados a músicas e conteúdos que o algoritmo julga interessantes para nós, de acordo com nossos padrões de consumo – uma vez que há a possibilidade da instauração de um mercado de músicas produzidas com o uso de I.As – é preciso entender que a tendência será de perceber cada vez mais a genericidade das obras produzidas por tais ferramentas. De acordo com Santaella, a personalização dos filtros “apresenta tendenciosidades que afetam significativamente o acesso à informação, na medida em que conduzem o usuário a pontos de vista estreitos que impedem a exposição a ideias contrárias aos seus preconceitos” (2018, p. 17). Trazendo a fala da escritora para o nosso debate, será que cada vez mais seremos levados ao consumo de produtos que são “mais do mesmo”?
Reforçando o que a autora chama de “curadoria algorítmica”, que, embora otimize experiências, pode também gerar uma homogeneização estética, apresentando a possibilidade de retroalimentação que esse sistema pode causar, levando a impressão de uma espécie de aliteração dos conteúdos produzidos.
Entretanto, há também a necessidade de entender que tais softwares estão ainda num estágio em o que os consideramos weak A.I (Narrow), e uma vez que a mesma funcione como uma potente tecnologia em diversas áreas da vida cotidiana, ela ainda apresenta diversas impossibilidades na criação de obras ou até mesmo de movimentos artísticos devido a sua limitação criativa. Se por meio de prompts é possível mimetizar padrões técnicos e estéticos na criação de músicas tristes, alegres, românticas, dentre outras, a I.A não consegue de fato produzir algo que transmita tais emoções de maneira plena, ao menos não sem a intervenção de um ser humano que atue como mediador neste processo.
Sendo assim podemos chegar, por hora, a um ponto: A I.A, nesses cenários, muito provavelmente não passará do estado de uma ferramenta que possa auxiliar os seres humanos. Ainda assim, isso não exclui a necessidade de regulamentação dessas tecnologias no que tange à esfera dos direitos autorais e comerciais dos materiais por ela produzidos, ainda que parcialmente.
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