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A trilha invisível: como o Spotify molda o comportamento dos ouvintes através dos algoritmos

  • Foto do escritor: Antonio Marzaro
    Antonio Marzaro
  • 2 de jun.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 26 de jun.

O seu gosto é realmente seu? Na era do streaming, ouvir música deixou de ser uma simples prática e passou a ser algo mediado por uma arquitetura complexa de dados e decisões automatizadas. O Spotify, maior plataforma de streaming de áudio do mundo, representa o ápice dessa lógica algorítmica, atuando como influenciador oculto dos hábitos musicais de milhões de usuários (Moschetta e Vieira, 2018). É uma engrenagem da chamada “sociedade de plataformas”, sustentada por trocas massivas de dados e escolhas programadas que moldam o cotidiano. É também uma das faces mais evidentes do processo de dataficação da vida, expressão cunhada por Mayer-Schönberger e Cukier (2013, apud Lemos, 2021) para designar a conversão de ações corriqueiras em dados rastreáveis.


Vivemos numa era em que a dataficação ultrapassa a digitalização (Lemos, 2021); não se trata somente de converter conteúdos em formatos digitais, mas de transformar ações e preferências em noções quantificáveis e, sobretudo, performativas. No Spotify, escutar uma música deixa de ser uma prática puramente estética e se torna parte de um ciclo contínuo de coleta e análise, no qual gostos são medidos e categorizados (Moschetta e Vieira, 2018).


O aplicativo funciona como um sistema fundamentado nas lógicas da plataformização e da performatividade algorítmica (em outras palavras, formam bolhas sociais). Essas plataformas se geram por meio da captura massiva de dados dos usuários, pela conversão dessas informações em padrões comportamentais e pela instigação de novas ações por meio de recomendações preditivas (Lemos, 2021): um processo no qual os algoritmos não apenas observam, mas também influenciam o que é ouvido, quando e com que frequência.


Sarah Chantres/The Daily Campus
Sarah Chantres/The Daily Campus

No caso do Spotify, essas escolhas são notadas principalmente por meio de playlists como o “Discover Weekly” (Descobertas da Semana), que utilizam modelos de machine learning (aprendizado de máquina) treinados com os históricos individuais de escuta e os dados de usuários com padrões similares (Moschetta e Vieira, 2018). Como explica o portal Ditto Music, o algoritmo leva em consideração fatores como hábitos, gênero musical e localização, com o objetivo de criar uma experiência altamente personalizada e, sobretudo, previsível.


Além disso, o Spotify opera sobre estruturas de supressão que permanecem ocultas ao público. Gillespie (2018) aponta que os algoritmos adotam padrões de inclusão e exclusão baseados em categorias pré-definidas. Isso significa que determinados conteúdos podem ser escondidos por não se adequarem aos parâmetros preestabelecidos do sistema. O funcionamento dos algoritmos de recomendação está ligado à produção de relevância, uma vez que, ao participar da relação entre dados e usuários, esses sistemas interferem na construção de conhecimentos e preferências culturais (Morris, 2015 apud. Moschetta e Vieira, 2018).


Esse modelo algorítmico se apoia na lógica dos “ciclos de antecipação”. Plataformas como o Spotify não apenas respondem ao comportamento dos usuários, e sim buscam antecipá-lo com base em seus dados passados e em correlações com outros perfis similares. Neste mecanismo, o indivíduo é representado por uma “identidade algorítmica” (Cheney-Lippold, 2011, apud Gillespie, 2018).


Um estudo empírico conduzido pelas universidades KTH – Royal Institute of Technology e Delft University of Technology, a partir de dados da própria plataforma, revelou que os usuários do Spotify tendem a repetir padrões de escuta e a manter horários preferenciais de uso, especialmente em celulares (Zhang et al., 2011). Esse comportamento é reforçado por recomendações que privilegiam a familiaridade, longe de estimular descobertas radicais. Essencialmente, os algoritmos projetam versões confortáveis de nós mesmos.


Mesmo com o aprimoramento dos modelos de recomendação automatizada, há limites quando falamos da sensibilidade e da complexidade da curadoria humana (Moschetta e Vieira, 2018). Embora os algoritmos sejam capazes de mapear hábitos e prever preferências, ainda carecem da subjetividade e da interpretação, critérios intrínsecos ao homem. Como observam McCourt e Zuberi (2016, apud Moschetta e Vieira, 2018), os sistemas algorítmicos, por mais sofisticados que sejam, não atingem o mesmo nível de imprevisibilidade característico das seleções feitas por humanos, que são capazes de surpreender o ouvinte com experiências que extrapolam seus gostos pré-expressos.


Em suma, o Spotify não é somente um aplicativo que tem músicas; é um gigante ativo na configuração do gosto e da experiência musical contemporânea. Ao transformar dados em recomendações, ele também transforma comportamentos em rotinas previsíveis. Assim, compreender o funcionamento algorítmico da plataforma é essencial para refletirmos sobre o tipo de subjetividade que estamos, cotidianamente, autorizando os sistemas automatizados a moldar.

 
 
 

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